...Porque o divórcio do casal com filhos me parece tema espinhoso não pelos filhos, por o que o filho vale ao casal, ou o casal lhe deve, mas porque a criança vale e lhe é devido de todos. Falemos pois de filhos, já que anteriormente falei do que sim me parece fim natural do que é humano – preferir o futuro nosso ao presente meu. E isso quer dizer acesso ao melhor e à paz de todos os meninos, e isso quer dizer que o amor é, por muito que nos pese, também austera disciplina, não da letra da lei, mas do espírito de cada um se a cidade se pode ver livre e justa.
Antes porém, importa considerar o casal sem filhos. Um casamento voluntariamente sem filhos nunca é truncado. Se egoísmo a dois implica uma certa seriedade e perseverança no egoísmo que pode levar a grandes desastres. Bem vivemos num tempo que carece de outras tragédias que não as assim-assim. A conivência em assim recusar vida, que pode ir da relativa ascese à técnica apurada, quando a dois, tem uma dimensão de acinte que faz os em trono reflectir, ou pode fazê-lo, sobre o que lhes é negado, por aquele casal. Se devoção a dois por coisa que lhes pareça não de mais gozo a fonte menineira do valor?, coisa científica, coisa política, coisa religiosa, coisa que apenas deixe tempo para o combate e não para os também repousos da multiplicação, então que grande é, que grande e raro entre nós. Se a causa parece fútil a persistência a dois não o é nunca. Se a causa parece grande, o meu respeito é inteiro.
Quanto á última pergunta, difícil é responder-lhe sem ter muito presente o onde e quando do que nela se versa. Em abstracto, que diferença faz à criança o beneplácito da comunidade ao casal que os pais formam, se os pais se querem? Porém, como se querem os pais dentro ou fora do casamento? A que comunidade pertencem esses que vivem casados ou juntos apenas? Se juntos apenas aceites ou rejeitados? Porque, enfim pouco conta para a criança o estatuto jurídico de seus pais e muito conta com que agruras terão eles que defrontar-se para querer-se. A paixão sim, que é desafio ao espaço e ao tempo, o criar filhos não o pode ser. E aqui, as variáveis são muitas, porque há quem da relativa marginalidade saiba ser mais que sua dor e respeitar-se. Criar portanto. Ou amar solidamente. E apenas disso os meninos carecem e apenas nisso são os meninos amáveis. Feitos na alegria persistente de dois e criados na real fratria de alguns para a fratria de todos.
Maria Velho da Costa, in Caderno Casamento, cadernos o tempo e o modo, 1968 – O Tempo e o Modo – Antologia, Edição Fundação Calouste Gulbenkian, Dezembro 2003