Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"sou muito optimista! Não acredito em nada mas faço como se acreditasse e ajo como se acreditasse" João dos Santos
Ela sujava uma faca, lavava-a logo. Tentava por esse meio evitar o trabalho que teria, no futuuro,. Assim que qualquer pingo, qualquer cinza, caía, ela limpava logo. Mantinha a casa impecável, imaculada - na virgindde de um não-uso permanente. Sobre todo o uso real que a casa tinha, com família de quatro pessoas, ela tecia sem parar essa consistente teia de virginal recomeço. Tudo com o fito de manter o futuro limpo: que nenhuma tarefa monstruosa, nenhuma montanha de gordura e de poeira a aguardasse, medonha, num côncavo do porvir.
Nesse futuro ela esperaria, sentada, com as mãos no regaço, os grandes acontecimentos - enfim!- da sua vida. A graça das grandes aventuras só poderia chegar abrindo-se-lhe um tempo, depois de todas as tarefas cumpridas, um tempo de repouso num espírito despreocupado.
Por incrível que pareça, esse tempo, chegou. Um dia ela descobriu-se sentada numa cadeira, sem nada que fazer. Os filhos haviam já deixado a casa, o marido morrera. Ela estava só. Conquistara o futuro. Todas as tarefas estavam definitivamente cumpridas, e ela estava disponível para os grandes acontecimentos. Ficou transida de medo vendo à sua frente um enorme vazio: todas as energias do futuro haviam sido gastas em cada presemte que ela vivera.
Maria Isabel Barreno, contros analógicos [O futuro], edições rolim,
Enquanto Tiago saía para a escada, Ana ocupou-se com alguns vagos pequenos detalhes.
(...)lançou uma última olhadela ao espelho da entrada. Gostava sempre de ver a sua expressão , a cara que tinha no momento de saír; quando as pessoas olhavam para ela, ela sabia o que as pessoas viam
Maria Isabel Barreno, Contos analógicos, edições rolim
Cheira a lenha nas ruas da aldeia
E, assim, deixou-se amar, o que talvez não deixe de ser uma forma de amar, fazendo-se mais dependente do que de facto se sentia, menos crítica, menos aventurosa do que sempre achara que deveria ser, menos livre, embora não soubesse muito bem que forma poderia ter tomado a sua liberdade, mais dissimulada, embora por vezes susceptível a súbitas irritações, inesperadas mudanças de humor, mas também mais irónica mesmo no mesmo modo como adoptou uma atitude protectoramente complancente, sacrificialmente votiva, em relação ao seu destino escolhido. Ou à sua condição feminina como ao tempo se dizia, e que era assim como uma espécie de doença que as meninas apanhavam quando nasciam e lhes ficava para o resto da vida
Helder Macedo, Pedro e Paula ( nomes e temperamentos 1947),editorial presença, Março 1998
Era uma vez
Um gato maltês
Tocava piano
E falava francês
Queres que te conte outra vez?
Era uma vez
Um gato maltês
Saltou-te às barbas
Não sei que te fez
Queres que te conte outra vez?
Era uma vez
Um gato maltês
Tocava piano
Falava françês
A dona da casa
Chamava-se Inês
O número da porta era o 33!
Queres que te conte outra vez?
Era uma vez
Uma galinha perchês
E um galo francês
Eram dois
Ficaram três…
Queres que te conte outra vez?
Inventão, conta uma história,
Inventa uma qualquer.
- A verdade é tão ilusória!
- Só em histórias se pode crer!
Conta a do Rei Ninguém, a da Rainha Nenhuma,
a do Capitão, a do Ladrão, qualquer uma!
Era uma vez um Rei...
(A do Rei era bonita mas ão sei!)
Era uma vez uma Rainha...
(a da Rainha é tão pequenina!)
Era uma vez um Gigante...
(A do Gigante é tão grande!)
Era uma vez um Português & um Chinês..
(Não me façam contar a do Chinês outra vez!)
Era uma vez uma Cabra...
(A da Cabra nunca acaba!)
Era uma vez um Animal...
(A do Animal acaba tão mal!)
- Que história contarei?
Tem de ser uma história que eu saiba,
que não seja muito pequena mas que caiba,
uma história simples (a da Fada é tão complicada!)
que acabe bem,
e se possível que comece bem também,
e se não pedir muito que meie bem também.
Tinha pensado na história do Cão,
mas a história do Cão é tão!...